quinta-feira, 21 de julho de 2011

Alexandrias Modernas

         Uma das maiores e mais famosas empreitadas culturais da história. Alexandre o Grande, principal ícone do império Grego, implantou diversos centros culturais (alexandrias) por todas as partes de seu império. Sua intenção era expandir seu domínio, não apenas militar, mas principalmente ideológico-cultural.  
          As alexandrias eram mais que cidades culturais, mas uma estratégia de dominação pela transformação cultural. O discurso falava de helenização dos bárbaros, de levar educação para os incultos, de levar escolas técnicas para os que não tinham profissão, de aproximar as culturas. Mas para que esse processo acontecesse era preciso substituir a cultura nativa pela cultura estrangeira, nesse caso, a cultura grega.
Foi justamente nesse contexto que o livro de provérbios foi composto. Um dos livros mais injustiçados e mal interpretados da história. Geralmente é confundido com um grupo de máximas sem sentido e sem contexto.  Assim, para entendê-lo é preciso entender que, sua pregação se deu em oposição a acomodação do povo judeu às alexandrias.
Esse contexto de invasão cultural, destruição da identidade e imposição de ideologias é muito atual. Vivemos em alexandrias modernas. Novas sedes culturais destruidoras da identidade e aprisionadoras centradas em belos discursos político-culturais. Essa identificação contextual faz com que a mensagem de Provérbios seja muito atual.
Diferente do que o senso comum interpreta, quando o autor de provérbios diz: “Melhor é o longânimo do que o valente, e o que governa o seu espírito do que o que toma uma cidade”. (Pv 16:32), não está falando das virtudes de paciência e domínio próprio, mas da disposição que o temente ao Senhor deve ter diante das alexandrias.
Em primeiro lugar: as alexandrias exigem que o homem esteja preparado, que estude estratégias, que conheça os caminhos e rotas, como formas de vencer suas batalhas. Mas contra isso o autor de provérbios (16:1-3) diz que não adianta o homem se preparar, pois o Senhor é quem julga, prepara e estabelece os que confiam nEle.
            Em segundo lugar: as alexandrias pregam a idolatria afirmando que o mundo não possui a direção de um único Deus. As alexandrias impõem filosofias que procuram corromper a imagem de Deus. Usam o mal como principal prova da inexistência de Deus. Novamente o autor de provérbios responde: Deus fez todas as coisas com um objetivo, ninguém que tenha praticado o mal ficará impune (Pv 16:4-9).
            Em terceiro lugar: as alexandrias são governadas pela elite. São os poderosos que orientam a justiça. Contra essa atitude novamente o autor de provérbios contesta dizendo  que embora o rei use da autoridade divina, o peso e a balança justa são do Senhor (Pv.16:10-16).
           Em quarto lugar: as alexandrias eram compostas pela nobreza. Pessoas consideradas superiores. A estas novamente o autor de provérbios afirma: A soberba e a altivez precedem a queda (Pelo Senhor), enquanto que o humilde de espírito é exaltado (Pv 16:17-19).
 
Em quinto lugar: as alexandrias enfatizavam seus teatros e suas exposições. A esses o autor de provérbios afirma que o sábio de coração é prudente. Faz uma reformulação da fé
e centra-se no interior, no coração (Pv 16:20-25).
            Em sexto lugar: as alexandrias pregam o céu como uma foto do ócio. É o “não-fazer” e viver do que os outros fazem. Contra essa teologia o autor de provérbios afirma que o trabalhador não está centrado no lucro, mas no sustento de si próprio, não no acumulo de excedente, mas na subsistência, e que a lógica do acúmulo será frustrada por Deus (Pv.16:26-30).
Por último, a título de conclusão estão os versos 31-33. Neles a autoridade das cãs e o governo dos homens é contestado. Somente do Senhor procede toda a sua disposição.
O questionamento do escritor/colecionador de provérbios ajuda a entender que vivemos numa era imperial de alexandrias modernas que tentam nos seduzir, cativar e corromper. Provérbios nos desafia a superar as alexandrias, a confrontar sua sabedoria, a refutar seus conceitos e a reconhecer o Senhor como verdadeira Sabedoria, verdadeiro caminho e única segurança de vida. É uma mensagem de confronto às estruturas de domínio e ideologia.
Assim, “governar o seu espírito” não é ser longânimo ou ter a virtude de domínio próprio, mas manter-se fiel a Deus mesmo numa sociedade corrompida. Esse é melhor do que aquele que domina uma cidade, isso porque aquele que domina a cidade geralmente também é dominado por ela.
Que Deus nos Abençoe!


terça-feira, 12 de julho de 2011

domingo, 26 de junho de 2011

LIVRANDO A CARA DA MULHER DE JÓ

 
 
Um dos personagens mais criticados da Bíblia é a mulher de Jó. Os capítulos 1 e 2 do livro narram Jó como um homem próspero e temente a Deus que foi provado a ponto de perder tudo, fazenda, bois, ovelhas, servos e até seus filhos. Esses capítulos afirmam que Jó foi fiel e temente a Deus, em nada blasfemando contra Deus. Nesse momento de dificuldade surge a mulher de Jó afirmando: Jó 2:9 Então, sua mulher lhe disse: Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre. Essa atitude produz profunda indignação em todos que leem a história. Mas será que apenas esse pouco conhecimento da história é suficiente para condená-la? Será que ela não está com a razão?
Este breve artigo pretende, em alguns poucos parágrafos, corrigir a injustiça de interpretar a mulher de Jó como se fosse uma pessoa fútil e incrédula.
Para a compreensão dessa história é preciso ler mais que apenas dois capítulos do livro. Assim, entendemos que o livro de Jó narra uma história muito antiga já citada no livro de Ezequiel (14:14) ao lado de Noé e Daniel. A história de Jó desenvolveu-se e foi reunida em um único livro no período pós-exílico. Este livro possui dois contextos, um pré-exílico e outro pós-exílico. Os especialistas afirmam que são dois livros, um dentro do outro. O mais antigo (capítulos 1-2 e 42:12-17) e o outro, mais recente, contendo o miolo do livro. 
De acordo com essa estrutura do livro é possível afirmar duas interpretações para a mulher de Jó. A primeira centrada nos capítulos 1 e 2 do livro, para os quais a mulher é uma murmuradora incrédula e insensível à condição do marido (essa é a versão que conhecemos). A outra, que “livra a cara” da mulher de Jó é a do miolo. Mas o que diz o miolo desse livro?
No geral o Jó do miolo é diferente do Jó dos capítulos 1-2. O Jó do começo é paciente e suporta tudo calado sem murmuração, enquanto que o Jó do miolo do livro é rebelde e respondão (7:17-27; 9:20-24; 13:3,18-27; 16:8-20; 24:12). Porque essa diferença? É simples. O Jó do começo representa a tradição transmitida pelo sacerdotalismo que oprimia o povo e afirmava ser essa a vontade de Deus (Miq 3:11). Os filhos eram vendidos, os campos eram tomados, as fazendas eram desapropriadas, as famílias eram escravizadas e ao perguntar sobre Deus, os sacerdotes corruptos pregavam a história de Jó, que também sofreu, mas como suportou calado e sem murmuração recebeu tudo em dobro no final, que manipulação
terrível!
          Antes de você me chamar de herege e de me condenar junto com a mulher, quero que você conheça o Jó do Miolo, pois é ele quem faz essas acusações.
O Jó dos 40 capítulos restantes não se cala diante da opressão. É um líder do povo, um profeta que vê a opressão e aponta os verdadeiros problemas a que se dirige o livro (Jó
24:2-11). 
Jó 24:2-5 Há os que removem os limites, roubam os rebanhos e os apascentam. Levam do órfão o jumento, da viúva, tomam-lhe o boi. Desviam do caminho aos necessitados, e os pobres da terra todos têm de esconder-se. Como asnos monteses no deserto, saem estes para o seu mister, à procura de presa no campo aberto, como pão para eles e seus filhos.                 
        Os verdadeiros problemas que produziam o sofrimento de Jó não eram aflições por causas naturais, mas opressão dos poderosos sobre os fracos (Jó 3:11-20). Esse é o contexto do pós-exílio (Ne 5:1-5) onde os filhos eram vendidos e havia distinção de classes entre a nobreza e o povo. O interessante é que tanto em Neemias como em Jó, as mulheres é que se levantam e murmuram. Sua reclamação é válida, pois a religião estava escravizando e penhorando seus bens, seus filhos e suas vidas. Em apoio a essa tese, numa leitura do livro de dentro encontramos Jó falando da opressão do povo, inclusive de escravidão (Jó 6:14-15,27; 7:1-3); confrontando a teologia de seus “amigos”, cheios de palavras bonitas, mas vazios de Deus (Jó 4:7-9). Esses amigos de Jó são representantes do livro da frente, dos capítulos 1 e 2. Eles querem que Jó fique calado (Jó 5:15-27), como representantes da teologia opressora que tomava tudo dos outros, e ainda acreditavam ser abençoados por Deus. Eles não pregavam misericórdia, apenas a opressão da lei (Jó 6:22-29).
       O Jó da frente fica calado diante da opressão, iludido pelas falsas palavras que diziam ser a vontade de Deus, mas o Jó do miolo do livro, esse age como a mulher do capitulo 2, ele se levanta e confronta aquela visão de Deus (Jó 16:7-17), Jó confronta aquele “deus tirano” e afirma que há um no céu para defendê-lo daquele “deus opressor”.
       Diante da tentativa de abafar o clamor do povo, o Jó do miolo do livro afirma que seus discursos são pura tapeação (Jó 21:34), mentira (Jó 13:4) e contesta a teologia de um Deus opressor que abençoa os justos (Ricos) e pune os (Injustos) pobres (Jó 21:7-21). 
        Por fim, o Jó do Miolo revela que o “deus” que antes ele conhecia apenas de ouvir era um “deus estranho” opressor, destruidor da família e da vida, que punia o pobre ainda que fosse justo, e abençoava o rico mesmo que injusto. Mas que agora seus olhos  contemplavam Deus, o Deus verdadeiro, a Testemunha no céu contra o “deus tirano(Jó 16:19), o Redentor que por fim se levantará em glória (Jó 19:25).
       Assim, ao reler a história dos capítulos 1 e 2 entende-se que faziam parte de uma leitura  opressora que pretendia abafar e denegrir o clamor dos injustiçados e oprimidos (a mulher de Jó) e exaltar a atitude de “humildade” e sujeição de Jó. Dessa  feita, pode-se entender a reclamação da mulher à luz do livro como sendo um  clamor do povo para que os pregadores do Templo (representados pelos amigos de  Jó) parem de pregar esse “deus opressor” e deixem o povo em paz. O livro de Jó  não é uma pregação da paciência, mas a pregação do clamor, da confiança no Deus  verdadeiro e na fé de que Cristo é nossa testemunha e intercessor entre o homem  e Deus.
 
Amem! Que Deus nos abençoe!


terça-feira, 14 de junho de 2011

VERDADEIROS ADORADORES ?

Jo 4:23 Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, porque o Pai procura a tais que assim o adorem.

 Uma das maiores crises na interpretação da Bíblia está na tradução. Em alguns casos, o termo em português substitui e corrompe o sentido do termo em sua língua e cultura original. Esse é o caso da interpretação de Jo 3:23-24. Nesse texto o termo “adoradores” assume sentido bem diverso da realidade bíblica, sendo entendido como sinônimo de admiração (Houaiss). Tanto o termo adorador quanto o termo admirador possuem o mesmo prefixo (ad-) que o dicionário Houaiss define como “em direção a”, assim, adorar é ad-orar, “orar em direção a”, e ad-mirar é “olhar em direção a”, conduzindo a ação de forma verbalista (adorar é voltar-se para o Senhor com palavras de exaltação), mas será que essas palavras traduzem o que o texto de Jo 4:23-24 quer dizer por adorador?

No Grego e Hebraico o termo possui o sentido de prostrar-se, mas, será que esse sentido alteraria a tradução? É simples, quando o termo adorar é usado, o sentido a ser transmitido é de algo vivencial ou algo verbal? Vejamos o que o contexto e Teologia do Antigo e Novo Testamento nos ensinam sobre adoração.

No antigo testamento a ad-oração e ad-miração eram marcas da religião superficial que usava processos mágicos a fim de manipular Deus. O sociólogo Mircea Eliade (1992) define a manipulação da divindade como magia. É o conjunto de práticas, rituais e preces que poderiam manipular a divindade a favor do fiel. Na religião do Egito antigo os fiéis acreditavam que proferir as orações contidas no livro dos mortos lhes daria o poder de ludibriar do deus Anúbis, enganar o julgamento final e adentrar no paraíso. Essa religião mágica, também presente no povo hebreu, foi severamente punida pelos profetas do período pré-exílico.

Amós questionou as formas de religião que se pretendiam belas e salvíficas, mas que eram vazias da justiça de Deus.

Amós 5:11-12 Portanto, visto que pisais o pobre e dele exigis um tributo de trigo, [...] Amós
5:21-25
Aborreço, desprezo as vossas festas, e as vossas assembléias solenes não me dão nenhum prazer. E, ainda que me ofereçais holocaustos e ofertas de manjares, não me agradarei delas, nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais gordo. Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos; porque não ouvirei as melodias dos teus instrumentos [...].

Oséias que criticou o Sacrifício e a prática sacerdotal centrada na Lei e no pecado.

Oséias 4:8 Eles se alimentam dos pecados do meu povo e têm prazer em sua iniqüidade. Oséias 6:6 Pois desejo misericórdia, não sacrifícios, e conhecimento de Deus em vez de holocaustos.

Jeremias e Isaias criticaram todo o culto superficial, centrado na Eleição, no Templo e no Sacrifício como intercessores do Povo.

Jer 7:4-7  Não confiem em palavras enganosas: "Este é o templo do Senhor, o templo do Senhor, o templo do Senhor! "  Mas se vocês realmente corrigirem a sua conduta e as suas ações, e se, de fato, tratarem uns aos outros com justiça, se não oprimirem o estrangeiro, o órfão e a viúva e não derramarem sangue inocente neste lugar, e se vocês não seguirem outros deuses para a sua própria ruína, então eu os farei habitar neste lugar [...]

Para Jeremias, Deus não pediu sacrifícios, mas obediência, entretanto o povo, seguindo os costumes das nações vizinhas, procurou sacrificar para tentar persuadir Deus a salvá-los.

Jer 7:21-23 "Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: Juntem os seus holocaustos aos outros sacrifícios e comam a carne vocês mesmos! Quando tirei do Egito os seus antepassados, nada lhes falei nem lhes ordenei quanto a holocaustos e sacrifícios. Dei-lhes, entretanto, esta ordem: Obedeçam-me, e eu serei o seu Deus e vocês serão o meu povo [...]

Isaias questiona e reprova o culto que pretende manipular o perdão de Deus. Para esse profeta o sacrifício era apenas uma forma de religião barata centrada nas obras.

Isa 1:11-12, 18 "Para que me oferecem tantos sacrifícios? ", pergunta o Senhor. Para mim, chega de holocaustos de carneiros e da gordura de novilhos gordos; não tenho nenhum prazer no sangue de novilhos, de cordeiros e de bodes! Quando lhes pediu que viessem à minha presença, quem lhes pediu que pusessem os pés em meus átrios?  "Venham, vamos refletir juntos", diz o Senhor. "Embora os seus pecados sejam vermelhos como escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; embora sejam rubros como púrpura, como a lã se tornarão.

Israel era especialista em culto, expert em ritual, tinham tudo do melhor, seus instrumentos eram feitos de ouro, prata e bronze, suas roupas cortinas e toalhas eram de linho finíssimo, tudo era santificado e separado para Deus, seria ótimo, se eles não fizessem isso apenas para agradar a si mesmos.
Am 4:5 E oferecei sacrifício de louvores do que é levedado, e apregoai sacrifícios voluntários, e publicai-os; porque disso gostais [...].

Em todos esses casos o profeta critica justamente o que o português traduz por “Adorador”, ou seja, a critica dos profetas é ao culto externo, verbalizado, manipulador de Deus, sem mudança nos ofertantes, não havia prostrar-se, não havia mudança de vida, apenas religião.

Quando Jesus afirma que o Pai procura adoradores que o adorem em Espírito e Verdade é algo que deve ser interpretado a luz da crítica dos profetas. Jesus, seguindo os profetas está esvaziando a religião centrada no Templo e nas práticas de culto.

A pergunta da mulher samaritana: “Onde se deve adorar?” (Jo 4:20), surgiu em razão da crise religiosa de seu tempo que estava centrada na definição de local e forma religiosa, mas Jesus responde: Verdadeiro adorador não é o religioso, não é o manipulador de Deus, pois o Pai não procura Cultuadores, mas verdadeiros adoradores, ou seja, o Pai procura aqueles que se prostram diante de Deus independente de lugar, pois seu culto é sua vida. E isso é adorar a Deus em espírito e em verdade. A resposta de Jesus, acima de tudo, é uma antítese às formas religiosas judaicas baseadas na lei e no ritual.

A Bíblia lança luz sobre o sentido profundo do termo "adorar", ou seja, "prostrar-se". Mas, quando a igreja de hoje interpreta os “verdadeiros adoradores” sinalizando a religião, a liturgia e o culto como forma de adoração está no mesmo caminho dos manipuladores de Deus. Está perdendo o sentido Sagrado da fé e esvaziando a presença de Deus da vida. Os cultuadores são pregadores das obras de salvação e negadores da graça de Cristo (Gl 2).

A advertência dos profetas é atual e urgente. “Deus não quer culto como ato religioso, o que Deus quer é mudança de Vida!”. É preciso olhar para nossas vidas e identificar nossa fé: Será que somos experts em culto, em liturgia, em música, em celebração, em festa, etc...?

Paulo seguindo essa interpretação vai afirmar que o nosso culto é nossa vida, não um
momento ou uma celebração litúrgica.
 Rom 12:1 Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês.

Essa é a melhor interpretação do texto:

Jo 4:23 Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores, não aqueles cultuadores baratos, cheios de religiosidade, mas aqueles que realmente são tementes a Deus, que cultuam com suas vidas, constantemente prostrados em reverência, temor e serviço, adorarão o Pai em espírito e em verdade, com suas vidas transformadas pela vontade de Deus, porque o Pai procura a tais que assim o adorem, entregando suas vidas sem reserva. (Tradução dinâmica: Professor Eduardo).

sexta-feira, 4 de março de 2011

Quais são as Mãos de seu Senhor - Reflexões sobre a Doutrina de Deus

É uma vergonha que alguns cursos de teologia ainda concentrem sua grade de matérias na perspectiva da idade média. Os seminários de teologia “meia-boca” tendem apenas a ruminação teológica, não é teologia, apenas assimilação e reprodução de conteúdo. Não é preciso ser um gênio para saber que a doutrina histórica da trindade não revela nada de útil para a vida cristã; que o conhecimento dos atributos de Deus não tem o poder de transformar nossas vidas, e que, tentar perscrutar os decretos de Deus, não aumenta nossa intimidade com o Pai. Esse é o principal motivo porque essas questões não são abordadas na Bíblia.
Mas como se tornaram tão relevantes? Porque ainda são reproduzidas? São teologias de gabinete, escritas e reproduzidas por pessoas que não pensam a vida, que não relacionam o homem com Deus, que creditam sua fidelidade cegamente aos dogmas e doutrinas sem nem ao menos perguntar por sua viabilidade, durabilidade, extensão e aplicabilidade. Embora algumas doutrinas possuam valor absoluto, sua aplicabilidade pode ser relativa, sua extensão e viabilidade podem ser discutíveis.



Para compreender a elasticidade da doutrina precisamos situá-la socialmente. É um código de conduta dirigida a homens e mulheres com objetivo educacional. Para entender essa questão precisamos responder às seguintes perguntas: Quando essa doutrina de Deus foi formada? Por que? Os primeiros cristãos precisavam acomodar sua fé com as pressões judaizantes e romanas. Os judaizantes defendiam a unicidade de Deus e contestavam a divindade de Cristo, já os romanos aceitavam a idéia de Jesus como Deus, mas recusavam a idéia de um Deus homem que morreu numa cruz.
Paulo retrata essa divergência com o termo loucura e escândalo (1Co 1:23). Diante dessa crise os Pais da Igreja seguiram os passos da teologia alexandrina (Ligação da Filosofia com a Teologia). Aos poucos a ameaça judaizante foi-se desfazendo e as defesas da fé feitas por Justino o Mártir elevaram a teologia ao mundo filosófico, ao campo de defesa por idéias. Justino precisava defender os cristãos dos ataques romanos, que eram feitos por filósofos contratados pelo Estado para ridicularizar os cristãos. Assim as defesas da fé ganharam o palco da oratória ao mesmo tempo que perdiam seu caráter vivencial. Com isso o cristianismo cai na reprovação dos profetas, principalmente de Oséias (Os 4:1-6; 6:6; Is 1; e outros).
A consequência dessa mudança foi o confinamento da doutrina de Deus ao mundo filosófico. Esse confinamento durou até a reforma quando Lutero desenvolveu a teologia da Cruz. Lutero havia encontrado a grande lacuna teológica: o Deus revelado foi trocado pelo Deus absconditus. O Deus revelado depende da fé, enquanto que o Deus absconditus da razão; o Deus revelado é reconhecido por seu amor à criação, o Deus absconditus é reconhecido por seus atributos de grandeza e majestade; o Deus revelado é reconhecido pela Cruz, o Deus absconditus pela Glória.
Lutero viu que a teologia tornou-se uma prisão opressora que impunha seus ensinamentos sobre o Deus absconditus; viu também que esse Deus não é o Deus revelado, mas o Deus oculto (Absconditus - inacessível), cheio de gloria e majestade, muito diferente do Deus revelado nascido numa manjedoura.
Para o teólogo da cruz a questão não é ficar meditando sobre o ser de Deus. Ele não se interessa por uma doutrina a respeito das qualidades de Deus, por exemplo, que em lugar de atos vivos coloque abstrações estáticas; ele inclusive a considera extremamente perigosa. Deus não quer ser reconhecido em suas “coisas invisíveis”, e sim, em suas “coisas visíveis”. (LOEWENICH, 1988, p.16).       
            O segundo passo na formação de uma doutrina é sua absolutização. Toda lei ou doutrina, no começo, possui papel educacional, mas com o tempo perde seus elos e passa a ser algo restritivo. O tempo solidifica os conceitos de forma a transformá-los em dogmas incontestáveis. Infelizmente a teologia da cruz, escrita por Lutero, seguiu esse caminho. Aos poucos, a igreja luterana, foi assumindo uma postura dogmática mais próxima da Igreja Católica Romana, e novamente a teologia da glória e do Deus absconditus supera o Deus revelatus. A doutrina de Deus que responde às necessidades intelectuais assumiu o lugar da doutrina bíblica de Deus.
            Em nossos dias, no Brasil, a teologia do Deus absconditus impera na maioria dos seminários, mesmo naqueles que pretendem seguir os passos da Teologia da Cruz escrita por Lutero.  Infelizmente o Brasil tem muito pouco conhecimento do Deus revelado. Todos os grupos desde tradicionais a evangélicos neo-pentecostais procuram conhecer o Deus absconditus e se esquecem do Deus revelatus. As doutrinas não são mais pensadas e avaliadas, apenas repetidas. Diante dessa crise aponto algumas notas relevantes para construção de uma doutrina de Deus que corresponda às necessidades do Brasil.
1.    É preciso resgatar as principais afirmações bíblicas sobre Deus. Nesse ponto até podemos usar as análises da teologia tradicional, mas com cuidado, sempre observando a bíblia em primeiro lugar, procurando olhar para as novas teologias do séc.XX, e separar as principais afirmações observando a ordem literária e teológica do texto. Ex:
a.    “Eu Sou” – Esse título é o reconhecimento da ação salvifica de Javé. É por ele que o povo conhece o libertador do Egito; é por ele que o povo se une, forma e depõe a monarquia; é a principal idéia teológica dos provetas; é usada também pelos governadores do período exílico e pós-exílico; é também um termo muito usado no novo testamento; João usa-o em relação à Jesus.
b.    Deus é Santo – Outro conceito muito relevante. Para os profetas, ser santo não significa religioso ou separado, mas íntegro, puro e justo. Não significa que Deus quer sacrifícios, o que os profetas revelaram é que Deus queria conhecimento íntimo (Os 6:6); Ser santo/justo é uma apelo à santidade/justiça. Esse conceito é muito bem entendido na pessoa de Jesus e no novo testamento onde há um grande esvaziamento das doutrinas e rituais judaicos.
2.    É preciso entender quais são as principais afirmações sócio-religiosas sobre Deus. Quais são as principais afirmações teológicas da atualidade? Separei cinco pensamentos relevantes que acredito definirem a teologia da atualidade:



1 – Deus-Quadro. Atualmente as pessoas tendem a tratar Deus como se fosse um quadro, uma pintura. As pinturas não são a realidade, mas tentativas humanas de capturar a realidade. A questão é que muitos cristãos de nossos dias tendem a se relacionar com Deus como se fosse um quadro, elas capturam apenas o que lhes atrai, prendem em um quadro e usam quando e como querem. Elas não conhecem e nem querem conhecer a Deus, tudo que elas precisam está em seu quadro, tendem a colocar apenas as bênçãos e excluem as advertências e reprovações. No fim, sua imagem de Deus passa a ser uma imagem distorcida de seus desejos. Quando precisam, posicionam-se diante do quadro e ficam admirando-o, pensando nas coisas que ali estão manipulando-as, trocando o quadro de lugar, de forma que lhe atendam. Quando estão incomodadas com algum aspecto do quadro, simplesmente retiram-no, viram-no trocam-no de lugar. Deus passou a ser um quadro manipulado ao bel prazer de seu dono.
2 – Deus-Imagem. Não é preciso uma imagem para ser um adorador de imagem. Qual a diferença entre um adorador de Deus e um adorador da imagem de Deus? É simples: a imagem não fala. Assim, o adorador da imagem de Deus fala com a imagem e não houve nada, pois imagem não fala. O adorador de Deus fala e ouve Deus. Dessa forma, quando uma pessoa que diz crer em Deus, não ouve (atende) a Deus, está na realidade falando com uma imagem. Quando eu não ouço transformo o outro em um ninguém.
3- Deus lâmpada mágica. Deus pode atender a todas as suas necessidades. Essa afirmação não é mentira, mas será que Deus quer atender todas as suas necessidades? Deus tem sido tratado como um gênio da lâmpada magia de Aladim. Basta apenas uma esfregadinha que Ele aparece e resolve todos os meus problemas.
4 – Deus bola de Cristal. Guardada no Bolso, só é acessada quando precisamos dela.



5 – Deus caixa eletrônico. Você já pediu dinheiro para o seu pai? Foi fácil? Sei que não. Quando precisamos de dinheiro e temos de pedir a nossos pais temos muito vergonha, geralmente pensamos várias vezes se realmente necessitamos e procuramos nos aproximar para poder pedir. Se você não participasse nem ajudasse em nada na sua casa, fosse um completo inútil, você teria coragem de pedir dinheiro ao seu pai? E se você fosse pai, daria a um filho omisso que não faz nada para colaborar com a família? Essas questões nos posicionam num ângulo interessante: porque não temos vergonha de pedir dinheiro a Deus, ou de pedir sua ajuda sem fazer nada para apoiar seu reino? Simplesmente falta de vergonha na cara “cara de pau”, isso porque na realidade, Deus não é tratado como uma pessoa, mas como uma coisa, como um caixa eletrônico. Eu vou até ele coloco o cartão e espero meu dinheiro, não há trocas, relacionamento ou valores morais, mas se Deus fosse tratado como pessoa, pesaríamos, com nosso pai, o que Ele pensará de mim? Mas quando é tratado como coisa, essa consideração é descartada.
6 – Deus oni-ausente. A doutrina tradicional e clássica afirma que Deus é oni-presente, mas a realidade é bem diferente. Como será que seria nossas vidas se Deus estivesse em todo o lugar? Será que nossa vida mudaria? Nossos comportamentos? Nossos relacionamentos? Atitudes? A realidade é que afirma-se que Deus é onipresente e vive-se como se fosse oni-ausente.
Para que haja mudança é preciso confrontar os conceitos populares com os conceitos bíblicos. Nesse processo devemos contextualizar a palavra com a experiência e a prática.  Uma doutrina de Deus relevante deve ser em primeiro lugar se reencontrar na Bíblia, fazer releituras contemporâneas e atualizar seus padrões e conceitos a partir da compreensão dos conceitos populares e seus desvios. Em segundo lugar, o relacionamento com Deus deve assumir o primeiro lugar na compreensão teológica. O Deus absconditus deve ser substituído pelo Deus revelatus. Em terceiro, os conceitos errados e suas falácias devem ser confrontados com os novos conceitos atualizados pela releitura bíblica e social. Apenas dessa forma poderemos reconstruir uma teologia séria e capaz de evangelizar “verdadeiramente” nossa nação.